sexta-feira, 18 de abril de 2008

Queda de Fokker 100 da TAM deixa 99 mortos

O number one, que matou 99 pessoas

São Paulo, 31 de outubro de 1996, dia das bruxas

Manhã de quinta-feira, o PT-MRK termina sua última viagem na rua Luís Orsini de Castro com 22 imóveis destruídos e pelo menos 98 mortos, na maior tragédia da aviação paulista

Pintado de azul escuro, com a inscrição "number 1", o Fokker 100, prefixo PT-MRK, da TAM, taxiou pela pista 17 R do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Eram 8 horas e 26 minutos da quinta-feira, 31 de outubro.

A bordo, o plano do vôo 402 indicava que o avião deveria chegar à cabeceira dos 1.800 metros de pista, a mais de 33 metros de altura. Acelerando em linha reta, o piloto José Antônio Moreno, 35 anos de idade e nove mil horas de vôo, ganharia pelo menos 165 metros de altura quando, então, faria uma curva à esquerda. Seria o caminho certo para levar 90 passageiros e outros cinco tripulantes ao Rio de Janeiro.

Passados menos de 30 segundos do início da decolagem, o mecânico Antônio Bueno ouviu um barulho estranho. De dentro de um hangar da Líder Táxi-Aéreo, localizado próximo à cabeceira 35, ele se virou. Sabia que era o barulho do reverso, o movimento que inverte o fluxo do ar e abre a parte traseira da turbina em forma de concha para auxiliar a frenagem na hora do pouso. "Quando eu ouvi o barulho, olhei e vi a concha se abrindo, e outra vez e outra vez. Corri com outros colegas para o meio da pista e vimos o avião caindo", contou ele a ISTOÉ.

O Fokker não conseguiu ultrapassar os programados 33 metros de altura. Segundo registraram os radares do Centro Integrado de Defesa Aérea (Cindacta) e Controle do Tráfego Aéreo, sua velocidade batia em 300 quilômetros por hora.

Tinha os tanques cheios de querosene e viajava com apenas 18 lugares vazios. Despregado do chão, balançou para a direita. "O avião não conseguiu voar", afirma uma fonte da Aeronáutica. No jargão dos pilotos, isto significa que a aeronave teve problema de motor, como diz Bueno, ou de comando. O comandante Moreno tinha três mil horas de vôo em Fokker 100. O co-piloto Ricardo Luís Gomes Martins, 27 anos, tinha quatro mil horas de vôo, 160 delas em Fokker 100.

Cerca de 30 segundos após a decolagem, a dois quilômetros da cabeceira sul de Congonhas, o avião bateu com a asa direita no teto de um edifício de três andares, localizado na Vila Santa Catarina. (na verdade, Jabaquara)

Transformado numa bola de fogo, bateu sucessivamente em outros dois prédios e destruiu totalmente oito casas. Outras 11 foram atingidas por pedaços da fuselagem. Espalhou labaredas, destroços, pânico e mortes na rua Luís Orsini de Castro.

Às 8 horas e 28 minutos dava-se a maior tragédia já registrada no Aeroporto de Congonhas, que com uma média mensal de 350 mil passageiros é o maior terminal doméstico do País e passarela obrigatória de políticos, empresários e artistas da televisão. O vôo 402 não deixou sobreviventes. O PT-MRK matou pelo menos dois moradores.

Até agora, o depoimento de Bueno é a peça mais intrigante da comissão que investiga o desastre. Como mecânico de manutenção dos jatinhos da Líder, ele chegou ao trabalho uma hora antes do acidente. Havia dormido bem e não tem problemas de visão. Coordenada pelo Departamento de Aviação Civil (DAC), a comissão de investigação é formada por representantes de sete instituições, entre elas a Rolls Royce, que fabrica as turbinas do Fokker, e a própria TAM.

As conclusões devem sair no máximo em 90 dias, mas não existem impedimentos para se descobrir os reais motivos da tragédia antes do prazo limite. A torre de controle gravou o último diálogo com o piloto. Além disso, as duas caixas-pretas do avião foram encontradas.

Uma delas, a chamada Voice Recorder, grava as comunicações da tripulação. A outra, a Data Recorder, registra todos os parâmetros do avião: velocidade, altitude, inclinação e aceleração, por exemplo. Antes mesmo que elas fossem abertas, contudo, os militares do DAC ouviram não apenas o depoimento de Bueno como o de outros três mecânicos. Segundo um major que acompanha os trabalhos, todos garantiram ter visto o reverso acionado. Nesse caso, seria preciso esclarecer o que teria acontecido com o piloto ou o equipamento para que a turbina esquerda empurrasse o avião para a frente enquanto a direita o seguraria no movimento restrito à aterrissagem.

"O fato de a turbina ter aberto e fechado três vezes é um indício de interferência eletromagnética", afirma outro oficial da Aeronáutica que também está envolvido na apuração do acidente. A hipótese de que um agente externo tenha contribuído para o desempenho anormal dos equipamentos é reforçada pelos antecedentes do piloto, tido como um dos melhores profissionais da companhia, e da aeronave, que, segundo nota oficial da TAM, jamais registrou qualquer defeito técnico.

"Esse avião havia feito um check-up completo no dia 15 de outubro", afirma o vice-presidente de operações da TAM, Luiz Eduardo Falco Pires Correia. "Estava tudo em ordem."

No dia do acidente, o PT-MRK saiu de Caxias do Sul e passou por Curitiba, antes de pousar em São Paulo. As interferências eletromagnéticas são causadas por ondas emitidas por computadores portáteis, telefones celulares, pagers ou walkman. O uso destes aparelhos a bordo tem sido o principal responsável por pequenas panes registradas em todo o mundo, mas só agora se suspeita que eles possam causar grandes desastres.

As autoridades da área são unânimes em apontar que os laptops e celulares deturpam as medições de altura e de velocidade, indicando para o comandante números que não batem com a realidade.

Há três anos, por exemplo, o piloto de avião de uma grande companhia fretado para levar crianças ao Caribe percebeu que o tanque da aeronave "enchia". Chamou a aeromoça e descobriu que os minigames que entretinham a garotada estava alterando o marcador de combustível.

Segundo três pilotos ouvidos por ISTOÉ, os aparelhos eletrônicos também interfeririam diretamente nos processadores centrais dos computadores de bordo. A cada vôo, os pilotos programam as turbinas, separadamente, para pouso ou decolagem. "É possível que uma interferência de telefone celular acionasse a programação de pouso em uma das turbinas", afirma um dos pilotos.

"Nós sabemos que celulares, computadores e outros aparelhos interferem nos instrumentos de bordo", diz um piloto da própria TAM. "Mas não existe uma lógica de como eles interferem." De acordo com ele, um problema com a magnitude da reversão de uma das turbinas, semelhante ao que, em 1991, derrubou um avião da Lauda Air, em Bangcoc, na Tailândia, só poderia ser solucionado se o avião estivesse acima de 800 metros, em velocidade cruzeiro. "Na decolagem ou no pouso, o piloto não tem tempo de nenhuma reação", explica.

O "número 1", como era conhecido entre os funcionários (apesar da inscrição em inglês), era uma espécie de porta-bandeira da TAM. Ganhara este nome por conta do título de melhor companhia regional de aviação do mundo, conferido no ano passado pela revista Air Transport World, a bíblia da aviação civil.

No momento do acidente, o comandante Rolim Adolfo Amaro, presidente da companhia, estava dentro de um jato Citation, de sua propriedade, em direção a Miami, onde iria fechar novos negócios. Em virtude de uma forte virose que contraiu há poucos dias, ele passou mal e pediu para fazer uma pequena escala no Caribe.

No quarto de um hotel, assistiu à notícia do desastre pela CNN. "Quero que todas as providências sejam tomadas no que diz respeito às famílias das vítimas", recomendou ao entrar em contato com seus auxiliares no Brasil. "É o que temos a fazer diante desta tragédia."

Com novos jatos, todos da Fokker e com menos de três anos de fabricação, a TAM cresceu nos últimos tempos graças ao sucesso de seu serviço - que inclui salas de espera com pianista e um balcão de sucos, frutas, salgadinhos e café -, e especialmente aos vôos centro-a-centro.

Em cidades como São Paulo, Rio e Belo Horizonte, por exemplo, eles economizam até uma hora em viagens de carro até os aeroportos internacionais. A cada mês, os aviões da empresa transportam 400 mil passageiros.

Criada há 75 anos, a Transportes Aéreos Marília tinha dado há três meses o seu mais ambicioso salto: comprou as Linhas Aéreas Paraguaias, trocou seu nome para Transportes Aéreos do Mercosul e deu o primeiro passo para se tornar uma companhia internacional. Neste ano, suas ações se valorizaram em mais de 100% e o faturamento quase dobrou, gerando irritação na concorrência.

A empresa garante que neste ano recebeu pelo menos três telefonemas anônimos com ameaças de bomba: em Uberaba, Uberlândia e Brasília. Na quinta-feira, após o acidente, a companhia teria recebido um quarto telefonema, desta vez em São Paulo, com uma ameaça mais ampla: "O acidente de hoje é o começo do fim da TAM." Até a madrugada de sexta-feira, a empresa não havia informado o fato ao delegado Romeu Tuma Júnior, que preside o inquérito policial sobre o acidente.

A elucidação do desastre não é fundamental apenas para a sobrevivência da empresa. Se o relatório final chegar à conclusão de que 98 pessoas, pelo menos, morreram por causa de uma pane causada por aparelho eletrônico, a segurança dos vôos exigirá medidas que devem ir além dos atuais pedidos para se evitar o uso de celulares e computadores portáteis a bordo das aeronaves.

Fonte: A HISTÓRIA REAL DO ACIDENTE COM O FOKKER 100 DA TAM EM 1996 - VÔO 402 - Foto: Rémi Dallot

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A cobertura completa da tragédia você encontra AQUI.

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