sexta-feira, 18 de abril de 2008

A queda do Fokker-100 - 1 ano depois

Folha de S.Paulo
São Paulo, sexta, 26 de dezembro de 1997.

ALICE ITANI
RITA DE CÁSSIA ARAUJO


A divulgação do relatório do acidente com o Fokker-100 da TAM pelo Ministério da Aeronáutica causou muita indignação entre parentes das vítimas e estupefação em muitos setores da sociedade.

Quem leu o relatório não entendeu. É tecnicamente correto, mas não esclarece as dúvidas mais importantes, sendo por vezes dúbio.

Não está claro, por exemplo, se as jornadas de trabalho da tripulação estavam dentro das horas regulamentares. Recomenda-se estranhamente, porém, a emissão das escalas, o que é obrigatório.

A lei estabelece limites de tempo. As horas de trabalho do aeronauta são contadas cumulativamente sobre um período de 24 horas, sete dias e assim sucessivamente, até o limite anual. Os depoimentos mostram que as tripulações vêm trabalhando além disso.

O relatório é obscuro sobre o treinamento. Cita a falta de informações da tripulação sobre a anormalidade e omite as responsabilidades. Ainda não fica clara a questão da manutenção do equipamento nem a da peça do reverso, que já apresentava falhas.

Os sistemas tecnológicos na aviação são de alto risco, funcionando com grande índice de incertezas. Há erros de concepção e de decisões sobre o grau de risco. O próprio Fokker deveria apresentar nível de confiabilidade maior.

De quem é a responsabilidade por atos que causam riscos e danos aos cidadãos no consumo dos serviços de transportes? Em primeira instância, do Estado brasileiro. Na aviação, o Ministério da Aeronáutica deve controlar e gerir a segurança aérea - incluindo equipamentos e empresas operadoras.

A responsabilidade é clara. Um acidente não ocorreria se não houvesse falhas nessas competências, bem como na qualidade do serviço prestado pelas operadoras.

A questão ''o Estado contra a nação'' parece estar presente. Há riscos e danos sem responsáveis. A investigação parece ser fora de lugar quando os próprios envolvidos integram a comissão - sem representantes de setores importantes, como vítimas, aeroviários e mesmo o Ministério Público.

Há omissão até na falta de emissão de laudos. O do Fokker-100 só foi divulgado após mais de um ano e muitas diligências de representantes de sociedade civil, Legislativo, Judiciário e promotoria.

Conta-se com o profissionalismo dos trabalhadores dos transportes aéreos, que lutam pela segurança de vôo, sob risco de ser perseguidos e demitidos. Por esse estado de riscos, e se um acidente é erro do piloto ou castigo de Deus, questionam-se a legitimidade e a importância dos órgãos do Estado.

Alice Itani, 47, doutora pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é professora do Instituto de Biociências da Unesp

Rita de Cássia Araujo, 40, é mestranda em saúde pública pela USP

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